Comunidades

  • Ocupação humana

Os ecossistemas e paisagem da Reserva da Biosfera da Estrela são o reflexo de uma longa evolução histórica, que conjuga a transformação natural do território com a ocupação humana e a forma como as comunidades foram moldando o ambiente ao seu redor. 

O desaparecimento dos glaciares, há cerca de 14 mil anos, marca o início da transformação da paisagem que atualmente se observa. É a partir deste momento que ocorre a instalação das primeiras espécies arbustivas e posteriormente arbóreas, tendo esta evolução natural ocorrido até aproximadamente aos 7 mil anos BP (Before Present), altura em que se instalam as primeiras comunidades sedentárias na serra da Estrela. São precisamente estas as primeiras responsáveis pela humanização da paisagem, criando alterações profundas no coberto vegetal e conferindo ao solo e paisagem usos adaptados às suas necessidades.

Durante o Neolítico, registam-se no território movimentos transumantes, os quais indicam que a montanha seria ocupada sazonalmente por uma população pastoril, que poderia também praticar uma cerealicultura incipiente, sendo também recolectores. A Idade do Bronze e Ferro caracteriza-se por uma diversificação dos instrumentos e por uma considerável transformação social, com o aparecimento dos primeiros povoados fortificados. Desde o domínio romano e árabe, passando pela formação de Portugal, a intensificação do cultivo de cereais e a pastorícia, associada ao fenómeno da transumância, foram os grandes fatores responsáveis pela transformação da paisagem e do uso do solo até meados do século XIV. Por fim, durante o período medieval e com a expansão marítima, entre os séculos XV e XIX, ocorre um grande impacto no uso dos solos na região, contribuindo para a perda da floresta autóctone na serra da Estrela. A privatização dos baldios, iniciada nos finais do século XVII e muito acentuada no séc. XIX e as campanhas cerealíferas no final do século XIX, contribuíram para uma degradação significativa do coberto vegetal neste território. Avançando até ao presente, a paisagem da serra da Estrela é moldada pelas intervenções dos Serviços Florestais, que entre o final do século XIX e início do século XX incidem de forma ativa sobre o território com intensas ações de reflorestação, sendo as restantes áreas utilizadas para a prática da agricultura de subsistência e da pastorícia. É também durante estes últimos séculos que a atividade industrial se instala de forma bastante marcada no território, onde a transumância milenar serve de catalisador para a implementação de inúmeras fábricas de lanifícios que representaram um dos mais importantes pólos de emprego da região.

Atualmente, o território reflete a tendência global de abandono generalizado das práticas tradicionais, como a pastorícia e a agricultura de subsistência, sendo o setor dos serviços e o turismo os principais agentes responsáveis pela dinâmica económica da região. No que concerne à demografia, segundo os censos de 2021, residem neste território 130 041 habitantes, o que corresponde a uma baixa densidade populacional, registando-se os valores habitacionais mais elevados nas áreas urbanas associadas às sedes dos municípios (Celorico da Beira, Covilhã, Gouveia, Guarda, Manteigas e Seia). Estes registos demográficos refletem a tendência global de aglomeração das populações em torno dos principais pólos económicos e são também eles influenciadores da atual paisagem da serra da Estrela.

Distribuição da população no território da Reserva da Biosfera

  • Cultura e tradições locais

O Património Cultural material e imaterial da área da Reserva da Biosfera da Estrela manifesta-se através das várias marcas culturais físicas, tradições e saberes. Este território possui assim vastas possibilidades no desenvolvimento de produtos turísticos, nas áreas do conhecimento e do lazer, sem descuidar o desígnio de proteção e salvaguarda das tradições e saberes, que foram transmitidos pelas várias gerações da comunidade que aqui habita há largos milénios e que contribuiu, indelevelmente, para a construção deste espaço geográfico, físico, social e
cultural, tal como é hoje conhecido.

Património Cultural Imaterial

A Transumância na serra da Estrela

A transumância é uma prática ancestral que foi transmitida de geração em geração pelas comunidades para responder aos desafios da orografia da serra da Estrela desde o Neolítico. Constitui uma simbiose entre uma forma de subsistência e a montanha, continuamente recriada para se adaptar às alterações climáticas, aos modos de vida e ao uso do solo, moldando a paisagem e a cultura local. Hoje, a identidade da serra da Estrela está intimamente associada à transumância, sendo considerada um legado coletivo. As populações urbanas, entre outras, ainda se referem às datas da transumância como marcadores temporais. A transumância da serra da Estrela enquadra-se, assim, no conceito de património cultural imaterial, tal como definido no artigo 2.º da Convenção da UNESCO de 2003.

Esta prática milenar respondia às variações climáticas e às necessidades de pastagem. No Inverno, os pastores e os rebanhos desciam a montanha para evitar a neve e as baixas temperaturas, rumando aos vales mais quentes situados no Douro, no Baixo Mondego, nas planícies de Idanha e em Campo de Ourique. No Verão, subiam para regiões com altitudes superiores a 1500 metros em busca de pastagens frescas, sendo este movimento associado a festividades religiosas que regulavam a prática. Para além dos rebanhos que vinham, durante o verão, do norte e sul do país, a serra da Estrela recebeu também rebanhos vindos de Espanha, mais especificamente de Sória e Segóvia (Castela).

A rede de caminhos para o gado, designados no território de “canadas”, facilitava estas deslocações, constituindo um antigo sistema de comunicação entre os povos da Península Ibérica, herdeiro das vias romanas. A transumância contribuiu assim para promover o intercâmbio cultural entre territórios, uma vez que os pastores transumantes eram o principal meio de comunicação, entre as aldeias mais isoladas da serra da Estrela, que viviam num regime quase autárquico, e outras regiões do país.

Esta prática diminuiu muito no final do século XIX devido à deterioração das “canadas” e das políticas de florestação, mas não desapareceu. Continua ativa na zona centro-sul da serra da Estrela, especialmente nos concelhos de Seia, Gouveia, Manteigas e Covilhã, e desenvolve-se em quatro etapas principais: as romarias, a subida, o período na montanha e a descida.

A transumância contemporânea na serra da Estrela é agora vertical, ocorrendo sobretudo no verão, em particular na área protegida do PNSE e envolve, predominantemente, ovinos e caprinos de raças autóctones. As romarias são celebrações religiosas cujo propósito é a bênção do gado, marcando assim o início do ciclo da transumância, normalmente de abril a junho. A segunda etapa, a subida, representa a partida dos pastores e dos rebanhos transumantes para as terras altas, podendo demorar até dois dias de caminhada e percorrer até 40 km, dependendo dos percursos de transumância individuais. Os pastores vão depois permanecer na montanha, nas principais áreas de pastagem em altitude, que incluem a Senhora do Espinheiro, o Vale do Rossim, a Lagoa Comprida, a Nave de Santo António, as Penhas da Saúde e a Torre. Esta separação por áreas representa uma forma espontânea de autoexclusão entre os diferentes pastores transumantes para reduzir a competição entre rebanhos e garantir a sustentabilidade das pastagens e um justo acesso aos recursos. A decisão de terminar a transumância e regressar aos locais de origem é tomada progressivamente pelos pastores ao longo do verão, sendo a duração do período de permanência na montanha variável, entre os 10 dias e os quatro meses.

A transumância reflete, assim, a relação entre as comunidades da serra da Estrela e o meio envolvente, demonstrando o cuidado e o respeito que os pastores têm pelos seus animais, pela paisagem e pela sua herança familiar. Em altitudes mais elevadas os animais beneficiam de temperaturas mais amenas, pastagens mais frescas, água e ar mais puros do que nas pastagens das terras baixas, passando mais tempo em liberdade. Para além disso, durante este período as terras baixas podem descansar ou ser cultivadas, dando lugar à regeneração da vegetação e preservação dos solos.

A transmissão desta prática ocorre sobretudo de forma oral, através da socialização e da aprendizagem prática. A maioria dos pastores transumantes contemporâneos descende de uma linhagem pastoril e começa na infância, acompanhando os seus pais ou avós nas deslocações sazonais para as pastagens. Alguns até marcam os seus rebanhos com as iniciais dos antepassados, para indicar a herança familiar. Continuar a transumância é, assim, uma forma de honrar esta memória, que se encontra, ainda hoje, muito marcada na paisagem, com a existência de muitas “canadas” e de vários abrigos para os pastores e rebanhos, dispersos pela montanha.

 

O Queijo Serra da Estrela

O queijo da serra da Estrela, com Denominação de Origem Protegida (DOP), é um dos produtos mais icónicos da região, e com maior projeção a nível nacional e internacional. É obtido a partir do leite cru de ovelhas bordaleira serra da Estrela e/ou churra mondegueira, raças autóctones alimentadas exclusivamente de pasto natural da área geográfica de produção do queijo Serra da Estrela. Este queijo é curado, sendo adicionado sal e flor de cardo-coalheiro (Cynara Cardunculus), uma espécie autóctone de Portugal continental, com crescimento na região da Reserva da Biosfera.

O Burel e o cobertor de papa

A produção de lanifícios artesanais, como o burel e o cobertor de papa, produzidos a partir das raças autóctones de ovídeos bordaleira serra da Estrela e/ou churra mondegueira, é outra imagem de marca da região, que reflete a longa história da pastorícia e consequente produção de lanifícios da região.

Atividades recreativas e científicas

Destacam-se ainda as atividades recreativas características como as caminhadas, observação de aves (birdwatching) e atividades desportivas, além da de atividades de ensino-aprendizagem e de desenvolvimento científico.

Práticas religiosas e eventos festivos 

Manifestações religiosas na forma de romarias e festas populares, (...)

Tradições e expressões orais

A língua como vetor do património cultural imaterial (...)

 

Património Cultural Material

Arqueologia

Segundo a base de dados da Arqueologia Nacional, Portal do Arqueólogo - Endovélico, o conjunto dos municípios constituintes da Reserva da Biosfera possui registados 739 sítios arqueológicos, reportando-se 92 à área da Zona Tampão. Destes, 5 encontram-se sinalizados como sítios arqueológicos visitáveis (https://www.google.com/maps/d/viewer?mid=1-
OE0Few-exfR1k7J8IC8K60xkP8&hl=en_US&ll=46.943850198599826%2C-
13.976114040277814&z=5):

  • Castro Verde em Paços da Serra, Gouveia;
  • Calçada dos Galhardos em Folgosinho, Gouveia;
  • Necrópole da Tapada dos Mouros, nos Meios, Guarda;
  • Templo de Nossa Senhora das Cabeças (Castro de Orjais) em Orjais, Covilhã;
  • Estrutura Arqueológica - New Hand Lab / Fábrica Estrela, Covilhã.

Estes registos patrimoniais documentam todas as fases da vida da humanidade, desde o Neolítico até à época contemporânea, testemunhando diacronicamente as várias experiências humanas e o seu desenvolvimento enquanto identidade cultural, marcadas nas tradições imateriais, na paisagem e nos sítios arqueológicos, de forma subliminar e com enorme
potencial.

Este facto é ainda visível na ligação hermética entre a memória coletiva e a raiz da sua identidade cultural. Um exemplo prático é a ligação entre a serra da Estrela e o Mons Herminus da época clássica, colocando nestes vales e outeiros a figura de Viriato e das hostes lusitanas que resistiram à invasão do Império Romano, cuja relação cabal ainda não é feita com nenhum sítio conhecido, apesar da toponímia apresentar algumas sugestões, no âmbito da imaterialidade da paisagem. Esta disciplina permite, assim, aprofundar a ligação entre a geologia, a cultura e a comunidade, também através da toponímia, cujo sentido existe na apropriação dessa paisagem por parte da comunidade que reconhece, por exemplo, nos modelados graníticos, formas que lhe são próximas, como testemunham os topónimos atribuídos aos diversos locais (ex. Cabeça do Velho, Pedra do Urso, Cornos do Diabo, Pedra do Sino, etc.).

Património Imóvel Classificado

A ocupação humana secular da serra da Estrela encontra-se fortemente enraizada no património arquitetónico presente no território. A sua relevância é reconhecida localmente e nacionalmente, com muitos locais classificados ao abrigo de diretivas implementadas pelo governo português.